Crianças e Telas: Muito além do tempo de uso

Mais do que contar minutos, é preciso observar o que se perde quando uma tela se torna companhia constante. Neste post, vamos além das recomendações óbvias para falar de dopamina, rotina, vínculos e escolhas conscientes. Sem culpas. Com informação prática, acolhimento e estratégias reais.

Por Vanessa Garcia

6/2/20255 min read

Crianças e Telas: Muito além do tempo de uso

Se existe um tema que levanta culpa, dúvidas e discussões intensas entre pais e profissionais, atualmente, é o uso de telas pelas crianças. E não é à toa. Vivemos um tempo em que a tecnologia se mistura à rotina com uma naturalidade absurda. O tablet distrai enquanto o jantar é feito. O celular acalma no trânsito. O desenho ajuda no momento do banho. A tela virou extensão do cuidado.

Mas é justamente aí que mora o perigo — não apenas para a criança, mas para a relação que estamos construindo com ela.

Por isso, quero te convidar a observar com mais atenção — e um pouco de carinho — alguns pontos que podem fazer toda a diferença no dia a dia aí na sua casa. Vamos juntos?

👉Não é só o quanto, é também o COMO.

Quando se fala sobre telas, o foco costuma estar em "limitar tempo"(com toda a razão). Mas, para além da contagem de minutos, precisamos olhar para a qualidade da experiência, a intencionalidade do uso e o espaço que isso ocupa nas relações familiares.

  • A criança está vendo algo apropriado à sua idade?

  • Está assistindo sozinha, ou com algum adulto acompanhando?

  • O que tem substituído? Um tempo de brincar livre? Uma conversa? Um abraço?

É claro que o tempo de exposição importa — e sim, ele precisa ser limitado. Não se trata de ignorar as recomendações. Mas o que trago aqui é um convite para irmos além da contagem de minutos.
Porque, mais do que decidir se serão 30 ou 60 minutos de tela, é pensar como esses minutos estão sendo vividos e o que ele substitui:

  • O que se perde nesse tempo?

  • O que está deixando de ser desenvolvido?

  • Limitar o tempo é o primeiro passo. Mas e depois?

O que está em jogo vai além do comportamento

Temos estudos que já associam o uso excessivo e desregulado das telas com atrasos na fala, dificuldades de concentração, ansiedade e distúrbios do sono... Mas, mais do que repetir dados (que você talvez já tenha lido), o convite aqui é um pouco mais profundo:

  • Quantas conversas vocês tiveram hoje sem interferência de aparelhos?

  • Quantas vezes o café da manhã foi tomado em silêncio, porque cada um estava imerso em uma tela?

  • Quantos pedidos de atenção foram ignorados ou adiados com um “só um minutinho”, enquanto respondíamos algo no celular?

  • E quantos momentos foram fotografados e filmados — mas não realmente vividos?

Vivemos conectados. Mas desconectados uns dos outros.

⚠️Essa é uma geração que vê o mundo mais pela lente da câmera do que pelos próprios olhos.

A dopamina

Tenho certeza de que você já leu ou ouviu falar dessa palavrinha: dopamina. Ela anda circulando bastante por aí — e com razão.

O uso constante de telas — jogos, vídeos rápidos, redes sociais ou aplicativos "educativos" — ativa no cérebro um sistema de recompensa imediata, liberando dopamina, o famoso “neurotransmissor do prazer”.

Isso cria uma falsa sensação de satisfação, mas com efeito viciante.

E o que acontece quando a criança sai da tela?
Ela se irrita. Se frustra. Fica inqueita.
Parece entediada com qualquer outra coisa.
Por quê?

🚨 Porque a vida real não entrega estímulo com a mesma velocidade.

  • A brincadeira de faz-de-conta exige imaginação.

  • O jogo de tabuleiro exige espera.

  • Ouvir uma história inteira exige atenção.

  • Ajudar a guardar os brinquedos exige envolvimento.

  • Escovar os dentes sozinha demanda paciência e repetição

O mundo real é um ritmo completamente diferente — um ritmo que nós, adultos, também estamos desaprendendo.

📣 Algumas escolhas que fazem diferença (e estão ao seu alcance)

1. Sem telas à mesa 🍽️
Refeições são momentos de encontro, não de distração. A hora da refeição vai muito além da nutrição. Deixe os celulares longe da mesa e desligue a TV. Que tal resgatar o hábito de contar como foi o dia?

2. Nada de TV no quarto
Quarto não é sala de entretenimento. É um espaço de descanso e calma.
Ter uma TV (ou tablet) ali tira a criança do convívio familiar, rouba o sono e o tempo sozinho vira consumo passivo.

3. Desliga você primeiro
Se você jura que as telas não são prioridade — mas leva o celular pro banheiro e responde e-mails enquanto finge brincar — algo se perde. Estar com a criança de verdade exige que também saiamos do piloto automático e olhemos para nossa própria relação com os aparelhos.

4. O simples funciona
Brinquedos sem pilhas. Livros com textura. Uma cabana com lençóis. Olhar as nuvens. Cozinhar juntos. Andar descalço no quintal. Ouvir histórias da infância dos pais.
Atividades simples, acessíveis, que ajudam a criança a se reconectar com o mundo real, com o tempo que passa mais devagar.

5. Pare de entreter o tempo todo
Deixe o tempo vazio existir. Tédio não é problema. É espaço para criar. É quando damos tempo para a criança acessar sua própria imaginação. Evite preencher cada minuto com estímulos. Ofereça tempo livre, sem roteiro — é aí que surgem as ideias mais fantásticas, os jogos inventados, as histórias contadas com os próprios personagens.

🕒Além do relógio...

Elas estão por toda parte, e fingir que não existem não resolve.
Não estou falando de banir a tecnologia ou de tentar criar uma bolha impossível de manter.
O problema não está na ferramenta em si — está quando ela começa, pouco a pouco, a ocupar o lugar da nossa presença. Quando vira babá, calmante, distração e diversão... perdendo momentos que não voltam mais.

Talvez hoje seu dia tenha sido corrido.
Talvez você tenha usado a tela pra conseguir tomar um banho em paz. Ok!
Não estou falando de seguir regras rígidas. Não é sobre proibir.
Mas de fazer escolhas mais conscientes, sempre que for possível.

É sobre lembrar que nenhuma tela substitui um olhar atento ou um abraço demorado.
É entender que cada "só um minutinho" pode virar um hábito.
Que cada refeição com o celular ao lado é uma conversa que não aconteceu.
Que cada crise após desligar o tablet talvez diga mais sobre o excesso do que sobre a criança.

Você consegue lembrar o que riram juntos ontem?
Qual foi a última vez que seu filho te chamou só pra mostrar uma folha, um desenho... e você estava realmente ali?

E se for pra contar alguma coisa…
Que seja o número de abraços do dia.
As histórias contadas na hora de dormir.
As risadas sem motivo.

Por fim, não se trata apenas de tempo de tela.
Se trata de tempo de vida.
E disso, queremos lembrar — e viver — todos os dias.

Com carinho,
Vanessa Garcia.
@institutoparental
contato@nessagarcia.com
www.nessagarcia.com

Sobre a autora:

Vanessa Garcia é Educadora Parental | Advogada | Pós-graduada em Educação Parental e Inteligência Emocional | Pós-graduada em Psicologia Jurídica.
Nascida e criada no Rio de Janeiro, Brasil, atualmente vive em Montreal, Canadá, com seu marido e filha.
Apaixonada pela subjetividade e complexidade do ser humano, pelo universo da maternidade e pelas histórias únicas que cada família traz, Vanessa dedica sua carreira a ajudar pais e mães a transformarem suas relações com amor e respeito.